Nestes últimos dias, várias situações me levaram a pensar nessa arte perdida que é escrever cartas a amigos, amigos de correspondência ou até cartas de amor. É fácil perceber porque deixámos de escrever cartas: podemos simplesmente pegar no telemóvel e telefonar à pessoa, ou escrever um email, ou até comprar um bilhete barato de avião e ir visitar aquele amigo. Mas e se com esta arte e tradição antiga de escrever cartas, estivéssemos também a perder um pouco da nossa humanidade?
Uma carta não nos dá apenas a ocasião de dizer a alguém como estamos, uma carta é um verdadeiro momento para nos ligarmos a nós mesmos e ao outro. É um momento de conexão. É um momento de amor. Eu dou-me a ti. Eu parei o tempo para pensar no que te quero dizer. Não se escreve uma carta como quem envia uma mensagem por telemóvel. Uma carta dá trabalho a escrever e, mais importante, a carta perdura no tempo, ela é testemunho da nossa amizade ou do nosso amor.
Tenho uma lata cheia de cartas que recebi ao longo da vida, cartas que os meus amigos, próximos ou de correspondência, me escreveram. Tenho cartas da minha irmã que me mostram todos os países onde vivi e onde e como ela estava em cada uma dessas minhas ausências. Tenho, presas com um fio de cabedal, as cartas daquele amor de infância que fica connosco para sempre. Ainda hoje continuo a escrever cartas e, apesar de todas as aplicações que existem para comunicarmos, nada substitui encontrar uma carta na caixa do correio, ver a escrita daquela pessoa de quem gostamos, rir e chorar com o que ela estava a sentir no momento em que escreveu aquela carta.
Para mim, escrever uma carta é roubar tempo a um tempo que se transformou num produto. Escrever, colocar tinta contra papel é o meu sinal de indignação, a minha bandeira de revolta contra este mundo que desumaniza. Enquanto escrevo, nada mais existe, só eu, as minhas palavras e a outra pessoa, no meu coração. Se pudesse dar uma receita para recuperarmos um pouco da nossa humanidade a cada dia, diria: escrevam, escrevam cartas, escrevam no vosso diário, deixem-se tocar pela emoção e sentimento, não tenham medo de se ligar ao outro. Deem-se. Entreguem-se.
E, porque estou no meu diário, partilho convosco um pequeno poema que escrevi sobre as cartas de amor recentemente.
Ana