Viajar ou não viajar, eis a questão

Esta manhã, a inteligência artificial sabia que eu tinha decidido começar a escrever sobre as minhas viagens e colocou-me a notificação de um artigo da filósofa Agnes Callard, intituladoThe Case Against Travel (ou Argumentos contra as viagens)”, publicado na revista New Yorker a 24 de junho de 2023. O título já me tinha chamado a atenção, mas então li o subtítulo “Viajar transforma-nos na pior versão de nós próprios, ao mesmo tempo que nos convence de que estamos no nosso melhor.” “Injúria!”, pensei, mas não deixei de ficar curiosa e li o artigo na íntegra. É certo que o artigo foca sobretudo nas viagens que eu considero como “turísticas”, mas não deixa de ter alguns argumentos interessantes e uma frase deixou-me a pensar:

"As viagens impedem-nos de sentir a presença daqueles que percorremos distâncias tão grandes para estar perto."

Deixem-se ficar pelo menos um minuto nesta frase. Quando vocês viajam, de quem querem estar perto?

Da vossa família? A vossa família moderna? A família que passa o dia-a-dia a correr, entre tarefas, que acorda entre as seis e as sete da manhã, prepara os miúdos para a escola, mete-se no trânsito para despejar as crianças e ainda chegar ao trabalho a horas, trabalha pelo menos sete horas e meia por dia, depois mete-se de novo no trânsito, ao final do dia, para ir buscar as crianças à escola, depois acompanhá-las à aula de piano ou de karaté, preparar qualquer coisa para o jantar, comer e preparar o que há a preparar para o dia de amanhã; só para, no dia seguinte, começar tudo de novo. E, entretanto, espera-se que o fim-de-semana chegue, o problema é que aqueles dois dias são tão poucos, porque temos que ir às compras, fazer alguma limpeza em casa ou pôr a roupa a lavar ou, com sorte, acompanhar as crianças ao jogo semanal e a duas festas de aniversário. E, então, espera-se pelas férias! Há a popular opção resort, onde os pais podem beber cocktails à vontade enquanto as crianças ficam no clube para as crianças; ou as férias de cidade que os pais preparam à sua medida porque é importante que as crianças aprendam a cultura do outro país e porque desconhecem (ou ignoram) o verdadeiro ritmo, necessidades e desejos das suas próprias crianças.

Ou por ventura viajam porque querem estar próximos de vocês próprios, irem à procura da vossa essência?

Eu, que fiquei quase chateada quando comecei a ler o artigo, tive que parar aqui, e perguntar-me seriamente: porque é que sempre desejaste viajar, Ana? Sim, adoro ver paisagens diferentes, explorar vilas, cidades e países novos, falar línguas diferentes, deparar-me com comidas ou hábitos distintos, mas porquê esse desejo tão grande? Quereria eu simplesmente fugir de onde estava? Ou, eu que tenho essa necessidade primordial de me conectar intimamente ao outro, talvez pensasse que, viajando, iria finalmente encontrar pessoas com quem me conectar? E, depois de ter vivido em sete países diferentes e viajado por muitos mais, o que é que isso me trouxe realmente?

Aos 41 anos de idade, viver em Estrasburgo – ou ter passado por muitos países até aqui – trouxe-me sentido à minha vida, o que eu tenho procurado mais que tudo. Depois de tantos quilómetros feitos, de ter conhecido tantas pessoas e bastantes moradas diferentes, aqui encontrei-ME, aqui comecei finalmente a perceber como funciono, a saber dar nome às minhas necessidades, os meus valores e as minhas aspirações. Aqui, comecei a verdadeira viagem, a única que conta na vida, essa de sabermos quem realmente somos, para finalmente podermos descobrir e viver o outro também. Sim, podia ter encontrado a minha própria essência ficando exatamente onde nasci, mas a verdade é que foram precisas muitas viagens para finalmente descobrir-me e começar o meu próprio caminho. Esse é o significado que viajar tem tido para mim. E para vocês?

Ana

pt_PTPortuguese